sexta-feira, 1 de abril de 2011

Dramaticices de Nelson Rodrigues


Antes de me meter a estudar o Jornalismo Literário no Brasil, eu não imaginava que o espetacular Nelson Rodrigues (1912-1980) havia passado por diversas redações de jornais, veículos onde deixou marcado o seu dom de retratar o comportamento social quase que em tempo real através de suas crônicas, folhetins e matérias em geral.

Nelson foi por 16 anos repórter policial do diário ‘ A manhã’, passando pelo ‘Correio da Manhã’, jornal de seu pai, diário ‘Crítica’, em que voltou a falar sobre crimes, ‘Jornal dos Sports’, destinados às críticas de futebol, esporte que fascinava Nelson, ‘O Globo’, onde trabalhou como sem ganhar um tostão até que se assentasse no veículo, ‘O Jornal’, de Assis Chateaubriand, e passou até pela redação do ‘Última Hora’, de Samuel Weiner.

Os colegas de redação não acreditavam como Nelson podia sentar em sua cadeira e, dentro de instantes poucos, tirar da máquina uma amostra de situações cotidianas as quais a raça humana está fadada a enfrentar. Transformava com destreza qualquer drama do cotidiano, uma história de Joões e Marias qualquer, numa crônica ou conto portador de minuciosa descrição narrativa, com maior foco no comportamento das personagens e descrição dos ambientes. E o mais atraente de tudo é que, na cabeça de Nelson, os personagens enfrentam tais fatos da pior maneira possível.


“Até o quinto encontro, Simão foi um namorado exemplar. Tratava a pequena como se fora uma rainha, e mais: levava-lhe, todos os dias, um saco de pipocas, ainda quentinho, que comprava num automático da esquina. Encantada, Malvina vivia dizendo para a mãe, as irmãs e a vizinha: - “É o maior! O maior!”.
Mas no sexto encontro fez-lhe uma pergunta:
- Tu acreditas em Deus?
Respondeu:
- Depende.
Admirou-se:
- Como depende?
Simão foi de uma sinceridade brutal:
- Acredito quando estou com asma.
Malvina recuou, num pânico profundo. No primeiro momento, só conseguia balbuciar: - “Oh, Simão!”. Mas ele, com a sinceridade desencadeada, continuou:
- Com asma, eu acredito até em Papai Noel!”

Trecho de O homem fiel, em O Melhor do Romance, Contos e Crônicas, de Nelson Rodrigues, Ed. Folha, 1993,


Nelson não foi, de fato, um jornalista literário; o termo demorou a ser utilizado no Brasil, tornando-se um pouco mais conhecido apenas na época da revista Realidade, que circularia por dez anos, a partir de 1966. Nelson foi, antes de mais nada, um observador atento, dramaturgo de primeira e jornalista, a seu modo.

Mas sem dúvida aqueles que pretendem fazer um jornalismo com remeleixos literários não devem deixar passar batida a obra, inebriante, de Nelson Rodrigues, atentando para a morbidez que permeia as relações das suas personagens - o que não é muito diferente das relações que sangram hoje pelos noticiários da TV; pais matando filhas, ou contrário; irmão, cunhados, desconhecidos, todos acabando uns com os outros.

Note também a linguagem rica que Nelson utilizava para tratar do simples caso ‘a dama do lotação’, ou para falar de Sérgio, um cara que viu a noiva, tímida, defenestrando-se em plena lua de mel na sua frente, só porque a noivinha, puritana, não teve forças para encará-lo depois de uma disenteria causada por um pastelzinho. O nome do conto? ‘ O Pastelzinho’.

Desfechos abruptos de Nelson. Pessimista, o escritor não costumava dar final feliz de conto de fadas para as suas personagens – poderíamos até chamá-las de vítimas. Vítimas do cotidiano e da caneta de Nelson, convenhamos. Eu que não queria ser uma delas.

4 comentários:

  1. Muito bom o texto, mas com períodos muito longos, principalmente nos dois primeiros parágrafos e a partir da metade. Evite um parágrafo inteiro com apenas uma frase. Fica complicado para ler na web.

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  2. Eu gostei muito do texto Marina. Você é muito talentosa.
    Nelson Rodrigues era genial né?
    "...Com asma, eu acredito até em Papai Noel!”
    Sensacional.
    Rsrsrs.
    Grande beijo.
    =)

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  3. Isso não é nada! Nelson era líder nas 'tiradinhas' que dirigia a seus contemporâneos. Jornalista de primeira, super defensor da escrita bem escrita, chamava os copidesques de ' idiotas da objetividade '.

    Não temos mais os copidesques, mas note que muitos jornalistas de nossos tempos fazem as vezes dos idiotas da objetividade.

    Valeu o comentário!
    Abraços.

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  4. Eu considero Nelson Rodrigues mais intenso e mais verdadeiro nas emoções humanas do que August Strindberg. O brasileiro especificamente o carioca está refletido em sua alma.

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