quinta-feira, 14 de abril de 2011

De alma arlequim

Roberto Rodrigues Vargas tem 47 anos e, há 40, acredita ter nascido com uma missão: desbravar as faces mais sombrias e trazer à luz os sorrisos da alma. Desde os sete anos de idade herdou do pai a arte circense. A partir de então, decidiu ser conhecido como o palhaço Pirulito.

Inscrita sob o código 3762-45 na Classificação Brasileira de Ocupações, a profissão aceita denominações variadas: “palhaço”, “clown”, “cômico de circo”, “excêntrico” e por aí vai. Para Pirulito, pouco importa a nomenclatura: se a plateia sorrir, o ego se encarrega do resto. Desde muito cedo acreditou na arte e tratou de tocar a vida montando e desmontando a lona de seu circo à procura do respeitável público.

Os convites vinham de toda a parte e o sucesso acompanhava o côncavo de tinta vermelha desenhado nos lábios do palhaço. Certo dia, a natureza deu um basta na rotina. Uma ventania de proporções catastróficas pôs abaixo anos de economia, depositados na cobertura “cor-sim-cor-não” (laranja e azul) do picadeiro. O abrigo das palhaçadas era só tristeza, nada pôde ser reaproveitado. Restava alguns poucos ganchos metálicos e cordas suspensas no ar. Não foi o bastante para continuar a caminho de outros palcos.

Sem a estrutura do circo, Pirulito acreditava no talento que possuía. Com maquiagem e fantasia debaixo do braço saiu a oferecer seus dotes em escolas, igrejas e casas de umbanda. “De tempos em tempos eles organizavam festinhas dentro do terreiro, a descontração ficava por conta das minhas piadas”, justifica. Ele conta a preferida do público: “Se o cachorro tivesse religião, qual seria? Cão-domblé”. Cobra R$ 50,00 por apresentação, o que considera um preço justo. Não foi o que achou o pastor de uma igreja abrilhantada pela performance do palhaço num evento com os fiéis. Até hoje, Pirulito espera receber das mãos do líder o pagamento pelas horas de diversão.

Crente convicto, Roberto pediu a Deus mais um talento, que outros colegas seus parecem ter: o político. Não que desejasse o poder máximo da República. Suas pretensões eram bem mais modestas. Desejaria apenas ter ocupado uma das cadeiras na Câmara Municipal de Jandira, cidade em que reside desde que nasceu. Entre 113 mil eleitores, Pirulito convenceu 26 e alcançou o 179º lugar como vereador, num total de 208 candidatos.  Feito comemorado pelo artista circense.
Ele fala sobre o desvirtuamento da profissão. Basta um escândalo na política - e eles não faltam - para que muitos coloquem o nariz vermelho e saiam às ruas para protestar. “Esse nariz representa uma profissão digna!”, reclama. Os escândalos protagonizados por prefeitos, governadores etc., não são uma palhaçada na visão de Pirulito. "Aquilo é coisa de bandido, não de palhaço”.

Indignado, resolveu desistir do caminho político e render-se às festinhas de aniversário. É delas que sai atualmente o sustento para a esposa e a filha com seis anos de idade. Vira e mexe aparece alguma mãe desesperada pela atração mambembe na festinha do filho por um preço camarada. Pirulito não recusa trabalho e é bastante requisitado pela fama de facilitar a vida de seus clientes. Oferece desconto, aceita fiado e, por motivos óbvios, acaba fazendo shows de graça.
O palhaço não gosta de falar sobre suas desgraças, prefere rir e contar uma piada: “Sabe o que Papai Noel responde quando uma criança pergunta se ele roe unha ? Rou rou rou rou rou rou!” Diante da timidez da repórter, resolveu ele mesmo rir. Um sorriso amarelo, é verdade. Mas é melhor que nenhum. No reflexo do riso, surge a melancolia. “Tenho ainda um desejo para a morte, ser velado com cara de palhaço”. Segundo sua imaginação, as pessoas chorariam de tristeza e depois iriam rir da surpresa – e ele riria por último.

Um comentário:

  1. Muito bom o texto, principalmente o final. Você o entrevistou? Se sim, tem áudio?

    ResponderExcluir