segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Política de cantada

Vibrantes sobre o teto de um caminhão, a equipe de um dos partidos políticos de Jandira cumpria mais um dia de campanha no centro da cidade. É véspera de eleição municipal. Bandeiras borboleteavam no ar, enquanto as caixas de som anunciavam a mensagem e a música do político à população. Logo abaixo, ali na rua, carros e ônibus seguiam pela faixa que restava para quem não gosta de seguir em marcha lenta.
Quem mora no município de Jandira sabe que, em época de eleição, ruas, calçadas e muros são tomados por cartazes, banners, faixas e também carros de som. Sem acesso à campanha eleitoral televisiva, resta aos candidatos jandirenses apelar para o bom e velho jingle musical, na esperança de fixar seu número na memória dos eleitores.  Seja em carrinho, carrão ou caminhão, dá-se um jeito de acoplar uma potente caixa de som ao veículo e sair pela cidade espalhando a melodia. Os ritmos são variados: forró, axé ou pop. Vale tudo na corrida pelo voto.
Isso de o candidato sair por aí divulgando sua campanha por meios musicais é fato recente. Antes de surgir a prensa – inventada por Guttenberg em 1450 –, o candidato precisava possuir retórica e boa aparência para ser bem-sucedido na vida pública. Com o advento da invenção, foram os panfletos que passaram a transportar as ideias e propostas dos candidatos, sendo popularizados apenas no início do século XIX – já que o alto custo e a escassez de matéria-prima dos folhetos limitavam a produção em larga escala.
Mas foi com a campanha de Jânio Quadros, em 1960, que a utilização dos jingles nas campanhas eleitorais do Brasil teve seu auge. Além do jingle “Varre, varre vassourinha”, o político avançou nos limites do marketing eleitoral da época ao utilizar uma vassoura como símbolo de sua candidatura, prometendo “varrer a bandalheira” do país, além dos broches de metal – também em formato de vassoura.
Um pouco mais tarde, em 1985, José Maria Eymael do PSDC disputou a primeira eleição direta à prefeitura de São Paulo após a ditadura militar. Apesar de nunca ter deslanchado, o candidato possui um dos jingles mais famosos do Brasil. Possivelmente, muita gente não se lembra das propostas e cargos que ele já ocupou, mas todos sabem que “Ei, ei, Eymael” é “um democrata cristão”.
Se as melodias políticas em época de campanha funcionam ou não, isso ainda é um mistério.  Em tempos digitais, o marketing para se vencer uma eleição pode ter página no Facebook e até seguidores no Twitter, aproximando candidato e eleitor por meios também virtuais. Apesar de todas as ferramentas disponíveis para promover uma campanha eleitoral – sejam elas impressas, sonoras ou pela web – ainda é bastante válido o contato pessoal.
Não é raro ouvir de eleitores que o voto garantido é para o político mais chegado. Aquele que, mesmo em época de mandato, dá um jeito de facilitar a vida de algum doente em tratamento (conseguindo uma ambulância, por exemplo) ou sempre ajudando em alguma emergência do dia a dia. Prova de que a ação pode valer mais que mil palavras. Mais que as notas musicais de um ye-ye-ye eleitoral.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Respeito aos mais novos



Batatas, manjericão, abacate, ovos de codorna. Minha cabeça oscilava entre contornos doces de frutas e obscenos de leguminosos berinjela.  Suco , polpa, uva. Raptar sacolinhas do sacolão porque a indústria vietnamita tem que faturar com sua produção de sacolas coloridas. Vejo, entre amarelo-melão e vermelho-tomate, vietnamitas verdes de mãos calejadas costurando lona desenhada para mandar ao Brasil. Gosto das sacolas dos vietnamitas. Mas onde vou colocar o cocô do gato senão nas retrógradas sacolas plásticas? Os mercadinhos, super e hipermercados estão faturando um bocado com desabastecimento plástico. Preciso contar para eles que, a cada vez que meu gato caga, gasto R$0,20 centavos. Enfim, roubei algumas sacolinhas hortifrutis numa boa e vejo que cada vez mais as pessoas fazem isso. Belo Horizonte se orgulha em ser o primeiro estado a conseguir abolir o uso das sacolinhas antes mesmo da lei antisacolinhas valer para valer – o povo daqui se amarra num costume. Amarra mesmo, se prende, se enforca com uma sacola plástica na cabeça. A minha avó não me deixava tomar banho sozinha. Como não havia touca de banho na casa dela, eu amarrava a sacolinha plástica na cabeça. Hoje a impermeabilidade capilar me custaria R$0,20, assim como o recolhimento da bosta do gato.

Alho sem casca? O dinheiro vai dar? O iogurte aqui está mais barato que no mercado! O chuchu mais barato que na feira. Carrinho cheio afinal e bolsa cheia de sacolas vazias. O sacolão disponibiliza carrinhos para serem utilizados apenas no recinto, diz a plaquinha metálica ao lado do caixa, pois na época em que não havia restrições, avisos e catracas cidadãos não honrosos andaram “indisponibilizaram carrinhos”. Até entendo. Será que eram manifestantes do movimento POSCHA (Ponha o Chuchu na Sacolinha do Hortifruti, Arre), contra a indisponibilização de sacolinhas plásticas no mercado?


Além das reflexões a respeito dos novos hábitos de consumo da civilização, passava pela minha cabeça uma dúvida cruel: que cozinhar para o jantar, meu Deus? Entrei na fila do único caixa em que cabia o carrinho de compras que foi conseguido com muita dificuldade, da minha parte, e muita distração, por parte daquela jovem mulher que deixou o veículo dando sopa para pegar pepinos. Encaixo o carrinho na fila, impedindo a passagem de outros motoristas, atravancando o tráfego no corredor cheiro-verde, localizado entre a prateleira de doces mineiros e o freezer de leite em promoção. Mineiro adora fechar o cruzamento, uai. Vá na Afonso Pena para você ver. Retirei abacaxi, manga, jiló do carrinho. Limão, maçã, mamão, coloquei os saquinhos perto do caixa.

- É. O que adianta ter caixa para idosos se os mais novos não respeitam?

Enfurecida, a senhorinha de cabelos brancos ralos atrás de mim arregalou os olhos pronta para arrancar minha juventude com um golpe. Tive medo de que ela me violentasse com o punhado de quiabos que estava segurando entre as mãos enrugadas.

Óh, pobre senhorinha. Pobres senhorzinhos que haviam sido perversamente trapaceados pelo vigor da minha juventude que, cá entre nós, não estava aguentando nem o peso 1 quilo de cenouras. Precavendo-me contra o destino do quiabo da senhorinha, achei por bem não lhe dizer que ela certamente devia estar mais descansada que eu. Preferi dar uma de vítima sem-razão de um incidente - único meio de convencer velhinhas rebeldes que me veio à cabeça. Quis lhe mostrar minhas sinceras desculpas.

- Oras, eu não tinha visto, estou com vergonha, vou passar à fila ao lado, onde estava com a cabeça, que bobeira a minha, entrar na fila de idosos, gestantes e deficientes do sacolão de frutas e legumes, eu não quis tirar vantagem, estava distraída, desempregada, inclusive. Desculpe-me.
- Os mais jovens não têm respeito.

- Senhora, eu falei que foi sem querer. Pode me dar licença para ir ao caixa ao lado?
Ela cochicha alto com o senhor detrás:

- Há! Fingida. Ela finge que não vê, não respeita, onde já se viu.

- E a senhora não acredita no que eu falo e está me deixando encabulada, isso também é falta de respeito.

- Nós, os mais velhos, não precisamos respeitar vocês, os mais novos. Vocês que têm que nos respeitar.

O hortifruti estava mobilizado. Donas de casa pararam de pegar alfaces para ver nossa rixa. Roxa como a casca de uma batata roxa, peguei silenciosamente a fila do caixa ao lado. Enquanto a senhorinha continuava a lamentar o desrespeito aos mais velhos, a fila em que eu estava desatou a andar, talvez pela rapidez da caixa que conduzia minha fila, ou então pela falta de pressa da caixa da fila dos idosos. Estava eu acabando de pesar meus jilós, de soslaio só vendo a posição da senhorinha reclamona à fila. Peguei uma nota para pagar as frutas e umas moedas mais para sacolinhas biodegradáveis - antigas sacolinhas plásticas - para os dejetos do gato, caso as do sacolão não fossem suficientes para a lambança da semana. Compras nos ombros, caminho até a porta. Espero uns dois segundos, fito bem a senhorinha, dou-lhe um sorrisinho vencedor e um aceno. Tchau.

Dizem que daqui a alguns anos a previdência social não vai dar conta de suas despesas. Nosso Instituto de Geografia e Estatística prevê rumos caóticos para a providência: no ano de 2050 serão 64 milhões de idosos, ultrapassando o triplo dos 20 milhões de hoje. Graças à boa alimentação. Graças aos vegetais. Pelo jeito que a fila anda, sobretudo nos hortifrutis, pode-se notar que as estatísticas estão certas. O processo está mais do que em curso.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Made in USA

Os produtos importados que prometem dar fim à batalha feminina de cada dia

Numa ensolarada tarde de domingo, cerca de 13 mulheres saíram de suas casas dispostas a conhecer os milagres que a tecnologia doméstica tem a oferecer. Daniela*, lá pelos seus 27 anos, é especialista em palestras e, junto com o marido, anda o Brasil afora em busca de lugares para divulgar produtos que vão desde alvejante para roupas à laxante em pó. Tudo para facilitar o dia a dia das mulheres ditas 'do lar'. Por volta das 15h, Daniela estacionou seu carro - último modelo da linha GOL da Wolkswagen - num dos bairros do município de Jandira, na Grande São Paulo, munida de um kit, no mínimo, curioso: sabão em pó, cremes para o corpo, shakes dietéticos, pílulas vitamínicas e barrinhas de cereal.

A palestrante trajava o estilo "esporte fino" e destoava do figurino dia a dia das demais mulheres: saias floridas, shorts e chinelos de dedo. O palco das apresentações era a sala de Alessandra Rodrigues* - uma das interessadas em revender a linha de produtos fabricada nos Estados Unidos -, que abriu as portas de seu lar para as vizinhas do bairro e para os importados norte-americanos. Pendurados na parede da sala, um violão preto de apenas uma corda, um tamborim e um relógio são-paulino - desfalecido às 3 horas e 15 minutos (não se sabe se da madrugada ou da tarde por falta de pilhas) - decoravam o ambiente. Sob a mesinha localizada no canto da sala, uma toalha de mesa amparava os produtos.

Equilibrando-se em um salto alto, a palestrante agarrou-se à simpatia - essencial ao marketing tête-à-tête – e falou das dificuldades enfrentadas pelas donas de casa, o que incluía as manchas de graxa na roupa do marido mecânico (é preciso admitir que a maioria deles possui vocação para tal ofício) e do inevitável molho de tomate na toalha da mesa. Ela, a palestrante, até entendia das agruras do trabalho doméstico, mas de longe. Graças a empregada doméstica que mantém em sua casa, o cheiro do sabão se resume às apresentações que realiza.

As substâncias, embora trágicas, não bastavam para mostrar a eficiência do sabão, pois Daniela preferiu mesmo apelar para o iodo. "Esse sim, difícil de remover". No primeiro teste, a palestrante encheu uma garrafinha de água e forçou a imaginação das participantes. "Finjam que é uma máquina de lavar", atirou a frase no ar segura da criatividade alheia. Pediu a uma das mulheres presentes que segurasse a garrafa. Logo em seguida, esguichou o líquido escuro dentro do objeto, transformando o H2O num breu total. Três pitadinhas do "poderoso sabão em pó" e chacoalhadas na mesma medida transformaram a mistura num líquido completamente branco. A plateia, deslumbrada, foi ao delírio. Mas Daniela queria mais. Insistiu em pingar novas gotas de iodo no líquido engarrafado até que o branco ficasse sempre branco. E em todos os cinco testes, a mulherada vibrou.

O próximo passo foi engraxar a mão de uma das convidadas. De início, a atitude desenhou caretas de nojo no rosto das participantes. A voluntária não sabia, mas dali a pouco ela e suas companheiras de labuta doméstica conheceriam o poder do "super detergente". Algumas gotas do produto - e mais cinco minutos de esfrega-esfrega - e as mãos da participante voltaram a cor de antes. Sucesso total. Agora, o clima era só sorrisos. Provada a eficácia dos produtos de limpeza contra a sujeira-nossa-de-cada-dia chegava a hora de resolver outra questão não menos feminina: a estética. Primeiro, Daniela apresentou diversos cremes para cada parte do corpo. Depois, as pílulas miraculosas que prometem desintoxicar como um alvejante a sujeira acumulada no organismo.

"Quem aqui consome pelo menos sete frutas diferentes todo dia?", indagou a palestrante. A recusa foi unânime. O motivo não era para pânico, pois, como era de se esperar, Daniela tinha a solução. O catálogo de produtos era moderno. No caso das frutas, nada de cores, sabores ou aqueles formatos excêntricos esculpidos pela própria natureza. A última palavra na ingestão de vitaminas era o consumo de cápsulas de acerola ou o chamado "Daily", uma mistura encapsulada do que de melhor as frutinhas têm a oferecer. Afinal, para quê sentir o gosto da polpa se tudo que você precisa é ingerir um invólucro branco recheado de um pózinho saborosamente insípido? Para quem não abre mão do sabor, shakes de chocolate ou morango faziam a alegria das que desejavam perder alguns quilinhos. "E não se esqueçam: deu vontade de comer uma coxinha? Coma uma barrinha!", orientou a palestrante, indicando, inclusive, o sabor de sua preferida: chocolate com morango.

Minutos depois, a sugestão da palestrante para turbinar a dieta alimentar ganhou status de solução contra o surgimento do câncer. "Vocês sabiam que a carne de frango está entupida de hormônios?", informou Daniela. Segundo ela, se antigamente a ave demorava algumas semanas desde o nascimento ao abate, hoje em dia o frango pia e engorda por pelo menos nove meses até ter sua carcaça girando nos disputadíssimos fornos de padarias. "A ração oferecida aos frangos está cheia de hormônios, e isso tudo vai parar na barriga do consumidor, o que pode provocar o câncer", alertou. O momento não poderia ser mais ideal para divulgar o alívio proporcionado pelos laxantes. Não importa se a questão eram os hormônios ou excesso de gordura escondidos nos alimentos. Um sachê antes de dormir e - batata! - o intestino preguiçoso amanhece 'naquele gás', disposto a travar uma longa conversa com o vaso sanitário.

E, por fim, já que o sorriso funciona como um cartão de visita, não poderia faltar um produto que provocasse o efeito branqueador. Para esta apresentação, a palestrante decidiu comparar duas marcas diferentes de creme dental. Uma, bastante conhecida, não deu sorte. Falhou na primeira espalhadinha sob a embalagem de testes - feita de papel. No caso do produto vendido por Daniela - surpresa! - não houve decepção. A pasta de dente vinda dos Estados Unidos provou que age sobre as amareladas manchas de café e cigarro sem comprometer o esmalte dental. Podia-se assistir a alegria da plateia por tamanha eficiência, embora uma delas, com seus quase 90 anos, sequer possuía dentadura.

A essa altura, todas as donas de casa já estavam convencidas do poder 'sobrenatural' da cartela de produtos apresentados naquela tarde de domingo. Daniela falou de valores e formas de pagamento. Disse que em dólar, a coisa era cara, mas que em reais, tudo ficava mais baratinho. O "kit madame", por exemplo, - contendo uma caixa de sabão em pó, alvejante e detergente - não saía por menos de R$ 120,00. A plateia, embora de cunho doméstico, não ficou alheia aos discursos da palestrante. No caso da pasta de dente, por exemplo, uma das mulheres presentes ouviu de Daniela que a marca desaprovada no teste causava sensibilidade. "Nunca senti", deixou escapar uma das senhoras de dentes. Ninguém deu ouvidos. Talvez o argumento não fosse suficiente. Afinal, o produto podia ter sido fabricado no Brasil.

[*Os nomes foram substituídos]