sexta-feira, 27 de abril de 2012

Made in USA

Os produtos importados que prometem dar fim à batalha feminina de cada dia

Numa ensolarada tarde de domingo, cerca de 13 mulheres saíram de suas casas dispostas a conhecer os milagres que a tecnologia doméstica tem a oferecer. Daniela*, lá pelos seus 27 anos, é especialista em palestras e, junto com o marido, anda o Brasil afora em busca de lugares para divulgar produtos que vão desde alvejante para roupas à laxante em pó. Tudo para facilitar o dia a dia das mulheres ditas 'do lar'. Por volta das 15h, Daniela estacionou seu carro - último modelo da linha GOL da Wolkswagen - num dos bairros do município de Jandira, na Grande São Paulo, munida de um kit, no mínimo, curioso: sabão em pó, cremes para o corpo, shakes dietéticos, pílulas vitamínicas e barrinhas de cereal.

A palestrante trajava o estilo "esporte fino" e destoava do figurino dia a dia das demais mulheres: saias floridas, shorts e chinelos de dedo. O palco das apresentações era a sala de Alessandra Rodrigues* - uma das interessadas em revender a linha de produtos fabricada nos Estados Unidos -, que abriu as portas de seu lar para as vizinhas do bairro e para os importados norte-americanos. Pendurados na parede da sala, um violão preto de apenas uma corda, um tamborim e um relógio são-paulino - desfalecido às 3 horas e 15 minutos (não se sabe se da madrugada ou da tarde por falta de pilhas) - decoravam o ambiente. Sob a mesinha localizada no canto da sala, uma toalha de mesa amparava os produtos.

Equilibrando-se em um salto alto, a palestrante agarrou-se à simpatia - essencial ao marketing tête-à-tête – e falou das dificuldades enfrentadas pelas donas de casa, o que incluía as manchas de graxa na roupa do marido mecânico (é preciso admitir que a maioria deles possui vocação para tal ofício) e do inevitável molho de tomate na toalha da mesa. Ela, a palestrante, até entendia das agruras do trabalho doméstico, mas de longe. Graças a empregada doméstica que mantém em sua casa, o cheiro do sabão se resume às apresentações que realiza.

As substâncias, embora trágicas, não bastavam para mostrar a eficiência do sabão, pois Daniela preferiu mesmo apelar para o iodo. "Esse sim, difícil de remover". No primeiro teste, a palestrante encheu uma garrafinha de água e forçou a imaginação das participantes. "Finjam que é uma máquina de lavar", atirou a frase no ar segura da criatividade alheia. Pediu a uma das mulheres presentes que segurasse a garrafa. Logo em seguida, esguichou o líquido escuro dentro do objeto, transformando o H2O num breu total. Três pitadinhas do "poderoso sabão em pó" e chacoalhadas na mesma medida transformaram a mistura num líquido completamente branco. A plateia, deslumbrada, foi ao delírio. Mas Daniela queria mais. Insistiu em pingar novas gotas de iodo no líquido engarrafado até que o branco ficasse sempre branco. E em todos os cinco testes, a mulherada vibrou.

O próximo passo foi engraxar a mão de uma das convidadas. De início, a atitude desenhou caretas de nojo no rosto das participantes. A voluntária não sabia, mas dali a pouco ela e suas companheiras de labuta doméstica conheceriam o poder do "super detergente". Algumas gotas do produto - e mais cinco minutos de esfrega-esfrega - e as mãos da participante voltaram a cor de antes. Sucesso total. Agora, o clima era só sorrisos. Provada a eficácia dos produtos de limpeza contra a sujeira-nossa-de-cada-dia chegava a hora de resolver outra questão não menos feminina: a estética. Primeiro, Daniela apresentou diversos cremes para cada parte do corpo. Depois, as pílulas miraculosas que prometem desintoxicar como um alvejante a sujeira acumulada no organismo.

"Quem aqui consome pelo menos sete frutas diferentes todo dia?", indagou a palestrante. A recusa foi unânime. O motivo não era para pânico, pois, como era de se esperar, Daniela tinha a solução. O catálogo de produtos era moderno. No caso das frutas, nada de cores, sabores ou aqueles formatos excêntricos esculpidos pela própria natureza. A última palavra na ingestão de vitaminas era o consumo de cápsulas de acerola ou o chamado "Daily", uma mistura encapsulada do que de melhor as frutinhas têm a oferecer. Afinal, para quê sentir o gosto da polpa se tudo que você precisa é ingerir um invólucro branco recheado de um pózinho saborosamente insípido? Para quem não abre mão do sabor, shakes de chocolate ou morango faziam a alegria das que desejavam perder alguns quilinhos. "E não se esqueçam: deu vontade de comer uma coxinha? Coma uma barrinha!", orientou a palestrante, indicando, inclusive, o sabor de sua preferida: chocolate com morango.

Minutos depois, a sugestão da palestrante para turbinar a dieta alimentar ganhou status de solução contra o surgimento do câncer. "Vocês sabiam que a carne de frango está entupida de hormônios?", informou Daniela. Segundo ela, se antigamente a ave demorava algumas semanas desde o nascimento ao abate, hoje em dia o frango pia e engorda por pelo menos nove meses até ter sua carcaça girando nos disputadíssimos fornos de padarias. "A ração oferecida aos frangos está cheia de hormônios, e isso tudo vai parar na barriga do consumidor, o que pode provocar o câncer", alertou. O momento não poderia ser mais ideal para divulgar o alívio proporcionado pelos laxantes. Não importa se a questão eram os hormônios ou excesso de gordura escondidos nos alimentos. Um sachê antes de dormir e - batata! - o intestino preguiçoso amanhece 'naquele gás', disposto a travar uma longa conversa com o vaso sanitário.

E, por fim, já que o sorriso funciona como um cartão de visita, não poderia faltar um produto que provocasse o efeito branqueador. Para esta apresentação, a palestrante decidiu comparar duas marcas diferentes de creme dental. Uma, bastante conhecida, não deu sorte. Falhou na primeira espalhadinha sob a embalagem de testes - feita de papel. No caso do produto vendido por Daniela - surpresa! - não houve decepção. A pasta de dente vinda dos Estados Unidos provou que age sobre as amareladas manchas de café e cigarro sem comprometer o esmalte dental. Podia-se assistir a alegria da plateia por tamanha eficiência, embora uma delas, com seus quase 90 anos, sequer possuía dentadura.

A essa altura, todas as donas de casa já estavam convencidas do poder 'sobrenatural' da cartela de produtos apresentados naquela tarde de domingo. Daniela falou de valores e formas de pagamento. Disse que em dólar, a coisa era cara, mas que em reais, tudo ficava mais baratinho. O "kit madame", por exemplo, - contendo uma caixa de sabão em pó, alvejante e detergente - não saía por menos de R$ 120,00. A plateia, embora de cunho doméstico, não ficou alheia aos discursos da palestrante. No caso da pasta de dente, por exemplo, uma das mulheres presentes ouviu de Daniela que a marca desaprovada no teste causava sensibilidade. "Nunca senti", deixou escapar uma das senhoras de dentes. Ninguém deu ouvidos. Talvez o argumento não fosse suficiente. Afinal, o produto podia ter sido fabricado no Brasil.

[*Os nomes foram substituídos]