sexta-feira, 29 de abril de 2011

Dois poetas jornalistas: Gregório de Matos e Carlos Drummond

Poesia no jornal, o que você acha? “A poesia está nos fatos”, já dizia Oswald de Andrade.Tomei dois representantes dessa fusão maluca de um 'jornalismo versificado', disposto em forma de versos, e nem por isso menos ativo, reativo, combativo e informativo: características que, se não nascem com os jornalistas,ah, deveriam ser implantadas em suas cabeças durante os frágeis-falhos-falsos cursos de formação de nossos tempos.
 
Mais de um século separa o poeta baiano Gregório de Matos (1623 - 1696) do poeta jornalista escritor Carlos Drummond (1902 - 1987). Se são separados pelo tempo, não são em intenções. Ambos embutiam espécie de fúria política entreversos. No entanto, Gregório não poderia estar poetando, muito menos na forma como fazia, jornalística e política, numa época que a imprensa ainda era proibida no Brasil.

Por outro lado, Drummond passava por uma proibição diferenciada, pois foi durante o Modernismo, período de sua maior produção, que os gêneros jornalismo e literatura foram se fragmentando, tornando incompatível a escrita poética com os veículos impressos. Nem por isso Drummond deixou de ser jornalista em poesia :

Fato e repórter
unidos
re-unidos
num só corpo de pressa
transformam-se em papel
no edifício máquina
da maior avenida,
devolvendo ao tempo
o testemunho do tempo


(Trecho de “A casa do Jornal, antiga e nova”, 1973)

Já Gregório encontrou na poesia uma maneira de mostrar sua veia jornalista, revoltamente afiada, pulsando por liberdade de expressão. Após ser exilado em Angola por suas palavras, o poeta volta ao Brasil para rimar “ a Bahia que regurgitava no mais desatado desvario de costumes”, (como diz Segismundo Spina em sua reedição de 'A Poesia de Gregório de Matos').

Eu sou aquele que os passados anos
Cantei na minha lira maldizente
Torpezas do Brasil, vícios e enganos

De que pode servir quem se cala?
Nunca há de se falar o que se sente?
Sempre há de se sentir o que se fala

Qual homem pode haver tão paciente,
Que, vendo o triste estado da Bahia,
Não chore, não suspire, e não lamente?


(Trechos separados de "Aos Vícios")
 
Os escritos destas figuras marcam e demarcam contexto social, econômico e histórico inscritos em seu tempo. Hoje jogam-se sapatos na cabeça dos líderes (com certeza a cena do jornalista iraquiano jogando o sapato na cabeça de Bush será um marco histórico). Antes, atiravam-se palavras. E com efeito! Hoje... hoje falta coragem para um tiro certeiro na ousadia canalha dos líderes pilantras, faltam palavras para retratar a quietude que esconde a anomalia social.Hoje falta poesia de fato, de fato falta a poesia.
 
 

2 comentários:

  1. Menina danada!!! Sou fã incondicional dos seus textos.

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  2. São mais de dois séculos que os separam, na verdade...

    Texto excelente.

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