quinta-feira, 24 de março de 2011

Relato de uma guerra em Canudos

As terras áridas do sertão nordestino raramente viam a chuva, e as secas cíclicas acentuavam os latifúndios improdutivos. Sobre os olhos do país, naqueles 1896, o sangue derramado no sertão. Pela retina de Euclides, a oportunidade de vencer a frieza no relato jornalístico. Foi Canudos uma guerra sem escrúpulos, matando e fazendo morrer as esperanças de um povo que seguia o seco castigado, queimado e rachado em terra e dor. Canudos só não esperava ver seus detalhes tão bem apanhados por alguém supostamente do lado de lá da trincheira.

Financiado pelo jornal O Estado de S. Paulo, o jornalista e apaixonado pela escrita, Euclides da Cunha, deu vida à morte dos sertanejos numa grande reportagem sobre o combate. Agarrados à revolução pelos direitos que lhes cabiam, os baianos de Canudos só desejavam o fim da fome, da miséria e do egoísmo de seus governantes para, talvez, dar lugar ao sonho de "sacar a água sem aquele espinho seco" como canta Marisa Monte.

Para a imprensa, era o fato da vez. A cidadela liderada por Antônio Conselheiro, figura carismática para os seus e retrato-perigoso nas páginas de outros jornais, ganhou naqueles dias os ares da comitiva republicana que se viu forçada a sair de seus aposentos para apaziguar os baderneiros "canudenses", dispostos a passar a faca nos cabeças reinantes da Bahia, segundo manchetava a imprensa da época.

Sobre os fatos, nada que uma guerra não possua: morte sob o fôlego do ades. Até 20 mil sertanejos esquartejados pelo apavoramento dos que, de longe, bem de longe, souberam do que sucedia nas terras secas de Canudos. A legitimação de um massacre foi unânime e cinco mil militantes também deram sua contribuição e suas vidas em defesa do governo. Fato histórico.

Os Sertões de Euclides foi um só.  Em tempo, espaço, fato e projeção, a obra jornalística raptou da literatura seu legado: reinventar o olhar sobre a vida (e morte) por meio da linguagem. E não por menos, lançou no jornalismo brasileiro as influências literárias em combate ao ponto a ponto do relato literal, que não “saca que o tal caminho é seco". Se alguma chuva pode molhar a enxada seca de que falou Marisa não sei, mas caneta e papel úmidos de intenções revolucionárias (em tempos de sequidão da linguagem jornalística) bastariam para resgatar aquela humanidade viva encontrada no texto de Euclides.

                                       

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