sexta-feira, 20 de maio de 2011

Cara e coragem de João Antonio


"A vida foi me dando porradas, me dando, até que eu aprendi a escrever em qualquer canto. Sem precisar de casa ou de quarto. Qualquer boteco é lugar para se escrever quando se carrega a gana de transmitir. Gana é um fato sério que dá convicção".



A frase não poderia ser de outro. João Antonio (1937 -1996), repórter das ruas, um trabalhador da imprensa alternativa, ou 'imprensa nanica', como diria no Pasquim, percebeu com a prática jornalística que ficar preso em uma redação com jornalistas engomadinhos não era lá sua vocação. A respeito dos colegas de profissão, ostentava uma visão depreciativa, quase furiosa :

"Comprado e vendido. Safardana e omisso. Apenas sobrevivendo numa sombra do boi vergonhosa, fina-flor da calhordice vigente.E sem utilidade pública nenhuma, diga-se de passagem (...). Acabará escrevendo elegante e bonito".

João Antonio amava mais aos deslocados, às personagens que viviam às margens da sociedade. Adorava vaguear São Paulo em busca de alguma estória que aos olhos comercialmente inflexíveis da imprensa seria inútil, motivo que o fazia enfurecido. Seu livro 'Abraçado ao meu rancor', de 1986, retrata bem o desgosto que tomou João Antonio ao notar que o 'Brasil verdadeiro não aparecia nas páginas dos jornais e revistas'.

Mesmo assim, João Antonio integrou a equipe da revista Realidade em 1966, talvez a única do período
que pudesse conceder o mínimo de liberdade à essa alma rueira que queria retratar 'o outro lado' da vida
brasileira a todo custo, e que não se entenda a expressão em sua forma eufemística, pois o jornalista, depois de seus anos como repórter na Realidade, abandonaria casa, salário, emprego e mulher em troca da matéria que adviria da conturbada condição de quem faz da rua o lar .

O elenco de personagens escalado por João Antonio mudou. Mendigos. Prostitutas.Paraíbas. Sinuqueiros. Pobretões. Uma gama de excluídos que (sobre)viviam às margens do sistema, mas que nas mãos -e olhos- de João Antonio ganhariam papéis centrais na tragédia que não deixa de ser cômica, dentro de suas paradoxais condições, de se sustentar uma existência nas ruas das cidades mais furiosas do país.

João Antonio parece ser movido por uma vontade de contar e contar, bradar a realidade até fazer as pessoas entenderem que nem todos vivem num mundinho confortável. Malagueta, Perus e Bacanaço, livro de1960, narra a existência dos 'invisíveis' ; o humor da obra não desvia o leitor das reflexões acerca da dura realidade vista na vida que se arrasta nas ruas.

Melhor definição não poderia vir senão da boca acervejada do próprio autor:

"Malagueta, Perus e Bacanaço é o último (conto) do livro e conta as andanças aluadas e cinzentas de três vagabundos, malandros, viradores numa noite paulistana. Quebrados, quebradinhos, sem eira nem beira, partem da Lapa. Há esperança. Arrumariam dinheiro, revirariam a cidade. Andam, jogam, caem, levantam, reviram subúrbios, de novo tropicam, ganham, perdem, deforram. Lapa, Água Branca, Barra Funda, Cidade, Pinheiros, Lapa.Como terminam é como terminam. Murchos, sonados, pedindo três cafés fiados".


O livro é apenas um exemplo da irreverente obra de João Antonio. Vale a busca das risadas, lágrimas e sobretudo de clareza de ideias que este ousado jornalista, repórter, mundano é capaz de proporcionar através de seus relatos em outras de suas obras. Dá-lhe João!

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