sexta-feira, 11 de maio de 2012

Respeito aos mais novos



Batatas, manjericão, abacate, ovos de codorna. Minha cabeça oscilava entre contornos doces de frutas e obscenos de leguminosos berinjela.  Suco , polpa, uva. Raptar sacolinhas do sacolão porque a indústria vietnamita tem que faturar com sua produção de sacolas coloridas. Vejo, entre amarelo-melão e vermelho-tomate, vietnamitas verdes de mãos calejadas costurando lona desenhada para mandar ao Brasil. Gosto das sacolas dos vietnamitas. Mas onde vou colocar o cocô do gato senão nas retrógradas sacolas plásticas? Os mercadinhos, super e hipermercados estão faturando um bocado com desabastecimento plástico. Preciso contar para eles que, a cada vez que meu gato caga, gasto R$0,20 centavos. Enfim, roubei algumas sacolinhas hortifrutis numa boa e vejo que cada vez mais as pessoas fazem isso. Belo Horizonte se orgulha em ser o primeiro estado a conseguir abolir o uso das sacolinhas antes mesmo da lei antisacolinhas valer para valer – o povo daqui se amarra num costume. Amarra mesmo, se prende, se enforca com uma sacola plástica na cabeça. A minha avó não me deixava tomar banho sozinha. Como não havia touca de banho na casa dela, eu amarrava a sacolinha plástica na cabeça. Hoje a impermeabilidade capilar me custaria R$0,20, assim como o recolhimento da bosta do gato.

Alho sem casca? O dinheiro vai dar? O iogurte aqui está mais barato que no mercado! O chuchu mais barato que na feira. Carrinho cheio afinal e bolsa cheia de sacolas vazias. O sacolão disponibiliza carrinhos para serem utilizados apenas no recinto, diz a plaquinha metálica ao lado do caixa, pois na época em que não havia restrições, avisos e catracas cidadãos não honrosos andaram “indisponibilizaram carrinhos”. Até entendo. Será que eram manifestantes do movimento POSCHA (Ponha o Chuchu na Sacolinha do Hortifruti, Arre), contra a indisponibilização de sacolinhas plásticas no mercado?


Além das reflexões a respeito dos novos hábitos de consumo da civilização, passava pela minha cabeça uma dúvida cruel: que cozinhar para o jantar, meu Deus? Entrei na fila do único caixa em que cabia o carrinho de compras que foi conseguido com muita dificuldade, da minha parte, e muita distração, por parte daquela jovem mulher que deixou o veículo dando sopa para pegar pepinos. Encaixo o carrinho na fila, impedindo a passagem de outros motoristas, atravancando o tráfego no corredor cheiro-verde, localizado entre a prateleira de doces mineiros e o freezer de leite em promoção. Mineiro adora fechar o cruzamento, uai. Vá na Afonso Pena para você ver. Retirei abacaxi, manga, jiló do carrinho. Limão, maçã, mamão, coloquei os saquinhos perto do caixa.

- É. O que adianta ter caixa para idosos se os mais novos não respeitam?

Enfurecida, a senhorinha de cabelos brancos ralos atrás de mim arregalou os olhos pronta para arrancar minha juventude com um golpe. Tive medo de que ela me violentasse com o punhado de quiabos que estava segurando entre as mãos enrugadas.

Óh, pobre senhorinha. Pobres senhorzinhos que haviam sido perversamente trapaceados pelo vigor da minha juventude que, cá entre nós, não estava aguentando nem o peso 1 quilo de cenouras. Precavendo-me contra o destino do quiabo da senhorinha, achei por bem não lhe dizer que ela certamente devia estar mais descansada que eu. Preferi dar uma de vítima sem-razão de um incidente - único meio de convencer velhinhas rebeldes que me veio à cabeça. Quis lhe mostrar minhas sinceras desculpas.

- Oras, eu não tinha visto, estou com vergonha, vou passar à fila ao lado, onde estava com a cabeça, que bobeira a minha, entrar na fila de idosos, gestantes e deficientes do sacolão de frutas e legumes, eu não quis tirar vantagem, estava distraída, desempregada, inclusive. Desculpe-me.
- Os mais jovens não têm respeito.

- Senhora, eu falei que foi sem querer. Pode me dar licença para ir ao caixa ao lado?
Ela cochicha alto com o senhor detrás:

- Há! Fingida. Ela finge que não vê, não respeita, onde já se viu.

- E a senhora não acredita no que eu falo e está me deixando encabulada, isso também é falta de respeito.

- Nós, os mais velhos, não precisamos respeitar vocês, os mais novos. Vocês que têm que nos respeitar.

O hortifruti estava mobilizado. Donas de casa pararam de pegar alfaces para ver nossa rixa. Roxa como a casca de uma batata roxa, peguei silenciosamente a fila do caixa ao lado. Enquanto a senhorinha continuava a lamentar o desrespeito aos mais velhos, a fila em que eu estava desatou a andar, talvez pela rapidez da caixa que conduzia minha fila, ou então pela falta de pressa da caixa da fila dos idosos. Estava eu acabando de pesar meus jilós, de soslaio só vendo a posição da senhorinha reclamona à fila. Peguei uma nota para pagar as frutas e umas moedas mais para sacolinhas biodegradáveis - antigas sacolinhas plásticas - para os dejetos do gato, caso as do sacolão não fossem suficientes para a lambança da semana. Compras nos ombros, caminho até a porta. Espero uns dois segundos, fito bem a senhorinha, dou-lhe um sorrisinho vencedor e um aceno. Tchau.

Dizem que daqui a alguns anos a previdência social não vai dar conta de suas despesas. Nosso Instituto de Geografia e Estatística prevê rumos caóticos para a providência: no ano de 2050 serão 64 milhões de idosos, ultrapassando o triplo dos 20 milhões de hoje. Graças à boa alimentação. Graças aos vegetais. Pelo jeito que a fila anda, sobretudo nos hortifrutis, pode-se notar que as estatísticas estão certas. O processo está mais do que em curso.