quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O Brasil do interior nas Tranças de Maria

O filme brasileiro “As tranças de Maria”, baseado no poema da escritora Cora Coralina, conta a história de uma moça fadada à luta contra a rejeição e o autoritarismo do pai no interior de Goiás. A jovem de pele morena e cabelos negros na altura do tornozelo despertam a atenção de Izé da Badia, conhecido como o rei dos vaqueiros entre os moradores da região. A partir daí, as cenas apresentam um cenário de natureza, simplicidade, e os muitos pensamentos de Maria sobre questões comuns para a época (1950) e o contexto no qual vivia.

Logo de início, o espectador se depara com os devaneios de Izé à procura de sua amada. A situação é narrada e não permite grandes falas ao vaqueiro, que se encontra sujo e maltrapilho. A deixa do diretor vai ser esclarecida ao final do longa-metragem e confunde um pouco aqueles menos pacientes, os que desejam saber logo de cara a história ou a proposta do filme. A personagem principal, Maria, é a próxima a ser apresentada e surge abastecendo um barril de água no rio próximo de sua casa.

Para o bom entendedor, a cena mostra a dificuldade do povo local no acesso à água e o espaço também se assemelha a uma espécie de “oásis” diante da paisagem seca e alaranjada de pó, típica do centro-oeste brasileiro.
É preciso destacar que as vozes dos personagens demoram a se manifestar, e deixa no ar a intenção do diretor em nos transportar aos costumes caipiras, à ordenha das vacas, às casinhas de pau-a-pique e o silêncio inerente à vida no mato. A constância da monotonia pode irritar os imediatistas, além de testar a paciência dos “menos-pacientes”.
As falas são tão escassas quanto os pensamentos, que também ganham voz. E é num dos pensamentos altos de Maria que conhecemos seus sonhos, um deles mais significativo para se compreender a personagem: “Sonho com uma vida que não conheço, mas não sei como. Minha alma deseja algo que eu ainda não sei”. Ancorada no balanço de uma árvore, a moça de tranças gigantescas revela o interior de uma vida incomodada com a realidade que a cerca.

Maria e Izé da Badia se encontram diversas vezes durante o filme e o moço, de boa aparência, não disfarça o interesse que tem em se casar. Era importante para as mulheres do interior o casamento bem sucedido, ficar para titia não estava entre as preferências femininas da época.

Com Maria, tudo foi diferente. Os mandos e desmandos do pai dentro de casa repugnaram a possibilidade conjugal na visão da filha. Ela não imaginava para si um destino adornado de filhos, fogão e eterna submissão. Não. “Pai pensa que eu não tenho querer”, dizia consigo mesma, ainda que fosse um desafio afrontar a obediência ao pai. A união amorosa é acertada pelos pais para alegria de Izé e preocupação de Maria, que jamais se entrega ao marido como mandam as leis do matrimônio.

A justificativa para tal atitude vem revelada por meio de outro pensamento: “Minha alma não é desse mundo”. Nesse ponto, a situação também retrata o fato de que as filhas mulheres não tinham chance de escolher o próprio cônjuge, geralmente aceito pelo pai da noiva que considerava a possibilidade do contrato favorecer também a família.
Atormentada, a protagonista da história foge o quanto pode das mãos do próprio marido. Ela descobre que no rio vive uma cobra grande capaz de engolir qualquer animal de porte médio. É a chance que procurava. Levada pelos conflitos do porquê de sua existência, Maria decide se entregar às águas do leito, deixando para trás uma verdadeira angústia sobre a família, que passa à procurá-la incansavelmente por todos os lugares daquele pedaço de chão.

Izé, coitado, recebe da situação o transtorno mental e fica louco. Sai a buscar sua amada como um andarilho sem rumo até receber das mãos de uma curandeira as tranças de Maria, retiradas da barriga daquela cobra, agora morta pelos homens da vila. O filme termina com o narrador descrevendo a cena em que Izé da Badia faz das tranças de seu grande amor os laços que iriam conduzir seu cavalo para o resto de sua vida.
Como todo filme brasileiro mais antigo, não se pode esperar grandes efeitos potencializados pela alta tecnologia. Tudo vai passando de maneira simples, exatamente como era a vida no campo. O longa tem momentos bastante pausados e foge da lógica hollywoodiana. É um filme que apresenta uma história de amor (não foge à estratégia dos romances), mas não só isso. O Brasil de então, por volta de 1950, também é conhecido pela face cinematográfica do poema.

O clima do cerrado, os modos de levar a vida em sociedade, os questionamentos acerca do casamento, do autoritarismo, são exibidos para conhecimento do espectador, fornecendo a ele a chance de refletir sobre determinada época e, quem sabe, comparar com o momento que se vive. O filme mostra que não importa o lugar: todos as pessoas têm um destino a trilhar. O de Maria, obscuro de início, ao final foi um só: afagar as mãos daquele que realmente amou sua existência, Izé da Badia.
“Duas tranças primazia.Macias de luvas-mão,
Presas ás cambas de seus freio niquelado,
Em prata fina banhado.E o Izé tinha nas mãos,
Todos os dias, o sedenho da sua noiva Maria.”