sexta-feira, 27 de maio de 2011

Gotas de Eliane Brum

"Na internet, as pessoas gostam de ler textos longos.
Desde que eles respeitem sua inteligência"
Há mais de 20 anos, a jornalista Eliane Brum já acumula cerca de 40 prêmios nacionais e internacionais por fazer da reportagem uma arte. Iniciou sua carreira no Jornal Zero Hora de Porto Alegre (RS) e mais tarde passou a integrar a revista Época, mantida pela Editora Globo, em São Paulo. Às vésperas de lançar seu primeiro livro de ficção, intitulado "Uma duas", quarta obra de sua carreira, a jornalista diz estar feliz em encarar mais um desafio. Ao contrário das outras três publicações -"Coluna Prestes - o avesso da lenda", "A vida que ninguém vê" e "O Olho da Rua" - em que Eliane Brum retrata o que a realidade tem a oferecer, dessa vez, as palavras serão dedicadas à ficção.

Eliane Brum não busca os grandes, prefere os anônimos. "Eu acho que são as histórias mais interessantes, além disso, a escolha quebra a lógica da pauta", justifica. Sua observação minuciosa e a linguagem literária adotada para revelar os fatos fazem da jornalista um nome forte entre os praticantes de um jornalismo diferenciado no país. Ao perceber a profundidade com que Eliane Brum trata suas histórias, foi difícil resistir a oportunidade de encontrá-la.

"Ao contar minhas histórias, tento descobrir o que move a vida das pessoas". A frase ecoou no Grande Auditório do Centro de Convenções Rebouças na última quarta-feira (26/05), em São Paulo. O olhar sensível de Eliane Brum pôde ser comprovado numa das mesinhas da lanchonete ao lado do espaço, logo após a palestra, em que a repórter nos contou um pouco mais de sua visão sobre o fazer jornalístico no Brasil.

A jornalista cumpriu o trato firmado por e-mail. Naquele dia, desejávamos saber o que movia sua paixão pela arte da escrita e, principalmente, da reportagem. Ela conta que, na infância ouviu histórias demais, a partir de então foi estimulada a contar seu ponto de vista sobre os acontecimentos. "Fui conhecer o New Journalism muito tempo depois de ter concluído a faculdade de jornalismo", revela.

A intuição nasceu do contato com a literatura. Daí para o relato jornalístico-literário foi um pulo. É difícil se adaptar ao padrão objetivo, no sentido da linguagem, quando a paixão pelo subjetivo fala mais alto. "Mas isso não dá licença para ficcionalizar o relato jornalístico", lembra a repórter. Na faculdade, e já no último semestre, Eliane Brum descobriu que tinha certa aptidão para humanizar o texto quando resolveu escrever uma matéria a respeito de todas as filas que um ser humano enfrenta desde o nascimento até o fim de sua existência.

Mais tarde, a jornalista seria adimitida no jornal Zero Hora, onde sempre procurou recortes diferenciados ao retratar a notícia. Ela fala da liberdade para produzir as grandes reportagens no Zero Hora. "Nunca tive dificuldades quanto a isso, acho que foi sorte. Meu editor-chefe pediu que eu produzisse alguns textos sobre o cotidiano e me deixou a vontade para dar ao assunto o foco que eu desejasse". Na revista Época, o mesmo livre-arbítrio seria concedido à Eliane Brum, que admite jamais ter sido obrigada a cobrir qualquer pauta que não a interessasse.

Sobre a internet, quer provar que é possível grandes textos no ambiente que parece exigir leitura rápida. "É possível a grande-reportagem na internet. Quem foi que disse que na internet só podem ter textos curtos? Tenho um texto publicado na Época online chamado "Minhas raízes são aéreas", essa entrevista tem 63.000 caracteres, o que equivale a quase 30 páginas de revista, e é a minha coluna mais lida nos últimos dois anos". Ela acredita que a internet tem uma lógica muito favorável à publicação de grandes reportagens, pois não se limita ao espaço nem ao número de folhas que deve ocupar.

Por opção, hoje a jornalista não figura mais entre a equipe de Época. Em 2010, Eliane Brum conta que houve grandes mudanças na sua forma de ver a vida. A reviravolta aconteceu por causa de uma de suas reportagens em que acompanhou Alice de Oliveira Souza, uma merendeira que descobriu o câncer quando finalmente iria descansar à sombra da aposentadoria. "Descobri naquele momento que a única riqueza que temos de verdade é o tempo, e eu queria me reapropriar totalmente do meu".

Depois do encontro com "Ilce", a jornalista admite ter outros olhos. Principalmente, em relação à vida. Sua missão é transmitir experiências e histórias por meio de pessoas supostamente comuns, aquelas que, aos olhos da grande mídia, não merecem virar "notícia". Em suas mãos, o aspecto "comum" ganha brilho e cor. Em seus textos, percebe-se a importância dada a operários, faxineiras e merendeiras. Segundo a jornalista, são eles os que realmente constroem esse país.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Se esse Fusca falasse...

Atire a primeira pedra quem nunca preservou aquele velho artefato com apego inestimável. O mesmo que abriga gerações de traças e já faz história pela ferrugem - esta fiel companheira desde o fim da juventude - vê a perenidade escorrer pelo tempo. Mas, nem tudo está perdido. Até mesmo a mais ínfima das substâncias físicas, a pleno vapor da corrosão, pode resistir ao óbito quando ingressa no caminho da reforma. É deste princípio que sobrevive o Fusca 1970 do pedreiro Cristiano Alves, conquistado no ano de 2005 a duras pás de cimento.

O carro é moeda de troca. Foi porque Cristiano ergueu um muro na casa do amigo que a peça veio parar em suas mãos. “Ele pediu que eu levantasse um muro na sua casa, em troca, prometeu, me daria o Fusca. Foi amor à primeira vista.” Depois de um tapa no visual, o carro ganhou cara nova e um nome: “Cara Preta”. Explica-se. A obra tem impressa na lataria cores opostas: o preto e o branco. Não à toa. Corinthiano convicto, o contraste é a combinação preferida do dono.

Mais branco do que preto, o Fusca carrega peculiaridades: embreagem quebrada, faróis queimados, arames seguram o assoalho e uma lata de tinta serve de banco-passageiro. Pasme: segundo Crisitano, o carro leva diariamente seus oito amigos ao trabalho.

Frente à falência do limpador de pára-brisa, um deles resolveu dar sua contribuição. É Raimundo Nonato quem salva a turma. Em dias tempestuosos, a invenção do limpador de pára-brisa manual faz sucesso entre os passageiros do automóvel. “Amarrei um barbante de cada lado e, quando a chuva aperta, é só puxar de um lado para o outro”. Reformado? Não para Rejane. Casada com Cristiano, a empregada doméstica crê que se existe um lugar certo para o carro, esse lugar é o ferro-velho.

Ela desabafa os apuros que sofreu quando ainda subia na “fubica” – é como se refere quando fala do carro. “Passamos numa curva muito fechada. Me desequilibrei da lata e, como a porta é enferrujada, ela abriu e eu caí na rua. Foi a gota d’água”. Quando grávida, e há algumas horas do parto, Rejane não teve dúvidas: subiu no primeiro ônibus que brotou e foi-se para o hospital. E olha que o velho Fusca tinha lá certa ligação com a criança que chegava ao mundo. Assim como os dizeres que Cara Preta carregava na traseira, a filha nasceu “careca, pelada e sem dente”. Para ambos, tudo era lucro.

Em Itapevi, município da Grande São Paulo onde Cristiano desfila com o veículo, o prazo de validade dos carros velhos demora a se esgotar. A vasta gama de automóveis em degradação desperta a curiosidade e o medo de moradores andantes e àqueles ao volante. As oficinas raramente recebem o ar de sua graxa. Relatam os mecânicos que os donos preferem aderir ao jeitinho brasileiro, apelidado de gambiarra, para não desembolsar o valor do conserto alheio.

Mas será que todo carro velho é de fato velho? Cristiano propaga sua filosofia. “Não vejo mal em ter um carro desses, afinal, onde um carro zero chega o antigo também pode chegar. É melhor ter um “podrão” que leva e trás do que não ter nenhum”, ressalta. Ao que parece, a paixão brasileira por carros vai além das aparências. O que vale é andar sobre quatro rodas, mesmo que elas sejam claudicantes.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

José Hamilton Ribeiro, um repórter de grandes histórias


José Hamilton Ribeiro é uma daquelas figuras difíceis de esquecer. Jornalista desde 1955, o repórter de encanto singular demonstra também algo incomum em grandes profissionais da imprensa: a simplicidade. Foi ali, numa das livrarias da capital paulista que “Zé Hamilton”, como permite ser chamado,  discursou e encantou duas aspirantes à prática de um jornalismo mais profundo e cercado de humanidade.

Pela Universidade Federal de Santa Catarina, o “Zé” já é doutor no ofício jornalístico. Na internet, um documentário sobre o “príncipe dos repórteres” circula na rede e leva adiante informações e um pouco da imagem carismática do jornalista, que atualmente integra a equipe do programa Globo Rural, exibido pela Rede Globo de Televisão.

José Hamilton compõe o grupo de jornalistas que gostam de tocar fisicamente os cenários e os personagens de sua reportagem. Ingressou no curso de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero na década de 50, e, ainda como estudante, teve seu primeiro contato com a imprensa ao cobrir férias de um jornalista na rádio Bandeirantes.

Após ler um anúncio na então Folha da Manhã – hoje Folha de S. Paulo -,  resolveu candidatar-se à vaga de jornalista. Marcou uma entrevista e recebeu um telegrama comunicando a aprovação para ocupar o posto no jornal. Tinha 20 anos de idade quando ingressou na redação e conta: “naquela época jornalista ganhava muito mal, os caras não eram sócios de clube, nem academia, jornalista era um tipo de um cartorário, trabalhador de cartório, mas ali tinham grandes poetas”.

Zé Hamilton segue seu próprio ritmo, vai falando de suas experiências e parece deixar o tempo correr a vontade quando a pauta da conversa é falar de jornalismo. Ele ensina que somente quando o repórter coloca-se a campo é que pode descrever com tamanha precisão e sensibilidade os fatos que envolvem o foco da reportagem. O jornalista aponta que a reportagem pode ter sido fator essencial na projeção da Folha como um grande jornal nacional para a época: “de um discreto jornal paulistano ao maior jornal do país”, segundo ele.

De qualquer forma, vale lembrar que hoje o espaço dedicado às grandes reportagens dentro dos jornais ainda é bastante limitado. O gênero parece libertar de tal maneira o jornalista das amarras do jornalismo convencional que não admite ser calculado em caracteres. Se a história narrada precisa ser detalhada a ponto de demonstrar nitidamente as experiências e impressões do repórter, talvez o bloco de texto dividido em três colunas não suporte o anseio de liberdade proposto pelo jornalismo literário.

Na revista Realidade, Zé Hamilton foi um dos grandes nomes a integrar a equipe criteriosamente selecionada pela editora Abril. As perguntas  quanto à passagem do repórter pelo veículo era certa na entrevista. Quando questionado sobre a reportagem que teria marcado sua vida, o jornalista cita logo a cobertura sobre a guerra do Vietnã.

O primeiro relato sobre a guerra (publicado na edição nº 26 de Realidade) refere-se ao acidente causado pela explosão de uma mina já nos últimos dias de sua passagem pelo cenário do combate. O repórter diz que a reportagem o marcou “também fisicamente”, ocasião em que perdeu a parte inferior de sua perna esquerda. Mas a matéria sobre a rotina no Vietnã seria contada na próxima edição, sob o título “Guerra é assim”. É nesta publicação que o jornalista descreve com riqueza de detalhes a situação do povo vietnamita frente ao combate norte americano.

Na foto, José Hamilton Ribeiro estampa a edição 26 de Realidade.
O jornalista perdeu a parte inferior da perna esquerda ao cobrir
 a guerra do Vietnã para a revista.

A respeito do sucesso de Realidade em seu tempo de publicação, José Hamilton revela que não acredita que hoje uma revista alcançaria tamanha expressividade como teve a publicação. Na visão do jornalista “o mundo é outro, a Realidade foi fruto de circunstâncias que não existem mais”. O jornalista reforça que uma revista bem feita no Brasil, de reportagem com qualidade de texto, como a Realidade , e ajustadas no tempo de hoje, não seria uma explosão de vendas mas com certeza teria leitores cativos. “A leitura é um prazer, e uma revista de leitura se faz com bons textos”, reforça Zé Hamilton.

Sobre a internet como meio de veiculação das grandes reportagens, o repórter considera o suporte como ferramenta, comparando-a com um tonel vazio onde as pessoas colocam o que bem entendem. “Ali vai ter jóias, vai ter anel de brilhantes, uma fotografia linda, um poema maravilhoso, pensamentos, mas vai ter tanta porcaria”.

Ao conceder uma entrevista certa vez, ouviu de uma repórter a dúvida que percorre a cuca de muitos admiradores de seu trabalho: “Como um repórter de tamanha categoria se limita a falar de boizinhos e vaquinhas na TV?”. Zé Hamilton é certo no falar: “O Globo Rural transmite ao público a alma do homem que vive no campo. E você vai dizer que a alma do homem urbano é maior que a daquele que vive no campo?”. Eis um pouco da essência desse jornalista de face iluminada e conversa recheada de riquezas.

Cara e coragem de João Antonio


"A vida foi me dando porradas, me dando, até que eu aprendi a escrever em qualquer canto. Sem precisar de casa ou de quarto. Qualquer boteco é lugar para se escrever quando se carrega a gana de transmitir. Gana é um fato sério que dá convicção".



A frase não poderia ser de outro. João Antonio (1937 -1996), repórter das ruas, um trabalhador da imprensa alternativa, ou 'imprensa nanica', como diria no Pasquim, percebeu com a prática jornalística que ficar preso em uma redação com jornalistas engomadinhos não era lá sua vocação. A respeito dos colegas de profissão, ostentava uma visão depreciativa, quase furiosa :

"Comprado e vendido. Safardana e omisso. Apenas sobrevivendo numa sombra do boi vergonhosa, fina-flor da calhordice vigente.E sem utilidade pública nenhuma, diga-se de passagem (...). Acabará escrevendo elegante e bonito".

João Antonio amava mais aos deslocados, às personagens que viviam às margens da sociedade. Adorava vaguear São Paulo em busca de alguma estória que aos olhos comercialmente inflexíveis da imprensa seria inútil, motivo que o fazia enfurecido. Seu livro 'Abraçado ao meu rancor', de 1986, retrata bem o desgosto que tomou João Antonio ao notar que o 'Brasil verdadeiro não aparecia nas páginas dos jornais e revistas'.

Mesmo assim, João Antonio integrou a equipe da revista Realidade em 1966, talvez a única do período
que pudesse conceder o mínimo de liberdade à essa alma rueira que queria retratar 'o outro lado' da vida
brasileira a todo custo, e que não se entenda a expressão em sua forma eufemística, pois o jornalista, depois de seus anos como repórter na Realidade, abandonaria casa, salário, emprego e mulher em troca da matéria que adviria da conturbada condição de quem faz da rua o lar .

O elenco de personagens escalado por João Antonio mudou. Mendigos. Prostitutas.Paraíbas. Sinuqueiros. Pobretões. Uma gama de excluídos que (sobre)viviam às margens do sistema, mas que nas mãos -e olhos- de João Antonio ganhariam papéis centrais na tragédia que não deixa de ser cômica, dentro de suas paradoxais condições, de se sustentar uma existência nas ruas das cidades mais furiosas do país.

João Antonio parece ser movido por uma vontade de contar e contar, bradar a realidade até fazer as pessoas entenderem que nem todos vivem num mundinho confortável. Malagueta, Perus e Bacanaço, livro de1960, narra a existência dos 'invisíveis' ; o humor da obra não desvia o leitor das reflexões acerca da dura realidade vista na vida que se arrasta nas ruas.

Melhor definição não poderia vir senão da boca acervejada do próprio autor:

"Malagueta, Perus e Bacanaço é o último (conto) do livro e conta as andanças aluadas e cinzentas de três vagabundos, malandros, viradores numa noite paulistana. Quebrados, quebradinhos, sem eira nem beira, partem da Lapa. Há esperança. Arrumariam dinheiro, revirariam a cidade. Andam, jogam, caem, levantam, reviram subúrbios, de novo tropicam, ganham, perdem, deforram. Lapa, Água Branca, Barra Funda, Cidade, Pinheiros, Lapa.Como terminam é como terminam. Murchos, sonados, pedindo três cafés fiados".


O livro é apenas um exemplo da irreverente obra de João Antonio. Vale a busca das risadas, lágrimas e sobretudo de clareza de ideias que este ousado jornalista, repórter, mundano é capaz de proporcionar através de seus relatos em outras de suas obras. Dá-lhe João!

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Inspirações e experiências do New Journalism

A partir de 1960, o mundo assistia o caos das mudanças sociais que afetavam a sociedade daqueles dias. Guerra, assassinato, rock, droga e movimentos hippies constituíam uma fase incapaz de passar despercebida pelos olhos dos integrantes das grandes metrópoles e influenciaram as relações sociais. O jornalismo e seus escritores se encontravam entre aqueles habitantes e, com sua forma objetiva, não seriam capazes de descrever exatamente tudo o que cercava os seres humanos daquela época. Essa confusão, acentuada principalmente nos Estados Unidos, deu vazão a um tipo de escrita mais consistente e profunda, tentando atingir o nível de mudanças pelas quais a “terra do tio Sam” também atravessava naqueles dias.

Surgiam os novos jornalistas. Trazendo em suas bagagens a influência da ficção norteamericana e dos grandes romancistas, eles se dispuseram a contar à sociedade daquele tempo o que sucedia nos anos 60 e 70 e o que tudo aquilo significava. Era o auge da não-ficção criativa, considerado o maior movimento literário desde o renascimento da ficção americana dos anos 20 e que lançou as estruturas do Novo Jornalismo, uma tendência advinda do próprio jornalismo que trabalhava o fato como uma espécie de obra de arte. Mergulhados nas influências da ficção, os textos afloravam pelas mãos dos jornalistas e transportavam a realidade dos acontecimentos carregados de detalhes minuciosos ao leitor.

John Hersey, um dos precursores
do New Journalism
Foi John Hersey quem deu o pontapé inicial na disseminação do gênero pela América do Norte ao cobrir a Segunda Guerra Mundial de maneira nunca vista entre os jornalistas, assumidamente influenciado pela estrutura da ficção. Considerada a reportagem mais importante do século XX pelo Departamento de Jornalismo da Universidade de Nova York, o livro Hiroshima é o desenho de Hersey sobre uma paisagem devastada pelas bombas lançadas pelos Estados Unidos nas cidades de Hiroshima e Nagasaki em 1945. O que torna a obra uma referência para o Novo Jornalismo, é, entre outras coisas, a intenção de Hersey em documentar o impacto da bomba sobre pessoas (e não sobre prédios) e a maneira como descrevia as situações. Nem mesmo as reações internas dos personagens escapavam de suas anotações. A inspiração de Hersey tinha nome e sobrenome: Thorton Wilder e sua obra A ponte de São Luís Rei. Foi a forma como Wilder relatou a queda de uma ponte de cordas, concentrando-se nas vítimas do acidente, que inspiraram a narrativa do jornalista.

Foi Tom Wolfe quem deu nome
ao novo estilo
de se fazer jornalismo 
Outro grande nome do Novo Jornalismo, Tom Wolfe, também foi arrebatado pela forma de escrita do romance-ficção. O entusiasmado observador de Nova York mergulhou de cabeça nas cenas urbanas instigado pela trilogia de James T. Farrell. O personagem Studis Lonigan teve sua história criada por Farrell de maneira tão instigante, que atraiu a atenção de Wolfe. O relato corajoso e franco do romancista sobre o crescimento humano, a partir do material bruto da vida de uma criança, acabaria dominando o estilo do jornalista em seus monólogos interiores. Os fatos não eram a principal preocupação de Wolfe, a ideia dele era registrar a cena acrescentando detalhes peculiares que outros classificariam como secundários.
A obra A Sangue Frio, de Trumam Capote, foi a mais lida
entre os novos jornalistas do Brasil da década de 60
O jornalista Truman Capote também acreditava numa narrativa que mergulhasse fundo nas cenas e na vida dos personagens. Ao ser convocado para cobrir o assassinato de uma família de agricultores em 1959 nos Estados Unidos, Capote inspirou-se na obra de Hersey e recriou os acontecimentos usando a voz do romance. Tendo dois assassinos como as únicas testemunhas do crime, o caso  transformou-se num desafio para o escritor que não usava gravadores e abominava anotações, contando apenas com a ajuda de uma amiga para registrar os relatos. A reportagem ganhou publicação na New Yorker em 1965 e bateu recordes de venda da revista. A história virou livro sob o título A Sangue Frio, e, segundo o próprio autor, inaugurava o romance de não ficção. A declaração provocou grande polêmica entre os críticos de seu país que chegaram a negar o lugar da obra no contexto literário, porém, devido o sucesso comercial do livro, a “nova” forma literária não tardou a conquistar seguidores. No mesmo ano, o livro foi traduzido e publicado no Brasil, inspirando os novos jornalistas que surgiam por aqui.